sexta-feira, 5 de abril de 2013

Fogueira.




A fogueira diante de mim queimava de forma incandescente, vivendo cada segundo como se lhe fosse o ultimo, sem chance de voltar atrás. Fiquei acompanhando suas lascas estalarem perante meus olhos, o som da madeira cedendo à combustão, frágil e imóvel devorada pelo fogo, fera de si mesma.
A reação agitava-se, dançando conforme a brisa do vento, em ritmo lento, me envolvendo em sua canção encantadora. Não ousei fugir dali, eu estava preso pela beleza, pelo calor, por sua luz. Única sã que me restava, dentre a escuridão que me cercava.
Não foi a toa que logo vi as mariposas contornando as chamas, atraídas como presas ingênuas por seus predadores. Contemplavam o sabor do momento, mas inexoravelmente eram pegas pelas brasas em um bote rápido e implacável.
Eram mais perseverantes e audaciosas do que eu. Mesmo sabendo de seu destino, continuavam rumando e batendo suas asas mediantes ao fogo, não se importando com as consequências finais.
Vendo a cena, e inconformado com a situação, gritei:
—Por que? Por que vocês continuam voando, se sabem que vão se queimar?— Não sei se me escutavam ou se não me entendiam; acredito intuitivamente que elas sabiam o que faziam e simplesmente me ignoravam.
—Parem! Parem já, não estão vendo, que vão morrer! – eu disse em vão, parecendo uma pequena criança mimada.
Peguei um galho que repousava ao chão e tentei afastá-las do perigo; mas cegas, retornavam em seu ritual constante: era inútil. Uma por uma, caíam em volta da fogueira, com suas asas deterioradas, impedidas de alcançar os céus novamente.
Havia uma diferença entre ser atraído pela chama e ser devorada por ela. Eu podia ficar horas contemplando a fogueira, mas jamais me jogaria entre seu centro.
—Parem, não devem ir!
—Não adianta, elas não vão parar. — ele me disse, assustando-me.
Olhei para ele, tentando compreender aquilo tudo, quando uma mariposa caiu do meu lado incinerada.
—Se esse mundo fosse uma imensa escuridão e essa fogueira fosse a única luz — dessa vez, a sua voz que me prendia a atenção.
Ele continuou com o seu discurso maluco, me conquistando com a sua loucura, e dando sentido para toda aquela conversa, ao defender o comportamento suicida das mariposas.
—Mesmo que eu soubesse que esse corpo seria queimado por essas chamas, eu também faria como elas. Atiraria-me nessas brasas, sem hesitar. Não importaria se eu me queimasse, tudo o que importaria seria alcançar a luz, me livrar da escuridão, daquilo que me consome.
Fiquei olhando para ele tentando decifrar toda a profundidade daquilo enquanto ele dava continuidade ao assunto. 
—Você é a minha luz, a minha fogueira. Por isso valeria a pena ser queimado, se fosse para para chegar até você.
Achei aquilo lindo, mas ao mesmo tempo injusto. Do que adiantaria eu ser o centro de tudo, o único sentido de sua vida, a sua iluminação, a fogueira, aquilo que iria salvá-lo de seus medos, da sua própria escuridão, se no final, ele sairia totalmente queimado e debilitado. A intensidade o machucaria tanto, que ele próprio não iria conseguir desfrutar de ter almejado e enfim alcançado sua luz.
Nossa relação poderia ser em suma, tão pesada, tão intensa de tal forma prejudicial?
—Eu não quero. Eu não quero ser as chamas. Não quero me tornar as chamas que vão queimar você.
Ele se surpreende com a resposta, arregalando seus olhos marrons.—Vamos ser as mariposas!

Eu o teria convencido?
Prefiro que sejamos leves e livres, mesmo que queimados.
Ser queimado junto dele. Nas mesmas chamas. Só assim eu entenderia o comportamento daquelas mariposas.

E assim, não teria medo ao me jogar na fogueira.