segunda-feira, 27 de agosto de 2012

Inteiro.

Quando ele entrou pela porta, a explosão foi instântanea. Senti meu corpo se revigorar, como se todo esse tempo ele tivesse sido apenas uma carne vazia, sem sensações, intorpecido pela dor. Meus ouvidos estalaram, refletindo a frequência dos sons que agora podiam ser diferenciados por mim — tinha esquecido de como o mundo lá fora era barulhento. Minha visão não estava mais turva, e não me confundia mais: eu conseguia vê-lo claramente diante de meus olhos. 

Tinha ficado tanto tempo sem observá-lo que acabei esquecendo o quanto era lindo. Era tão maravilhoso tê-lo diante de mim, que nada mais me importava. Não queria nem saber quanto tempo eu tinha sofrido da minha vida, a dor nem se comparava com meu momento presente de felicidade. Mesmo que não desse certo, mesmo que as mágoas vencessem nossa relação, até mesmo se ele não me quisesse mais, eu não ligava. Meu único desejo seria tê-lo do meu lado, o tempo que durasse. 
 
Bem de repente, tudo ficou mais leve; minha coluna se reergueu, e pude finalmente sentir minha respiração. Meus pulmões se encheram de ar, empurrando meu tórax para frente, em um ato de bravura, de vítória. Minhas costelas — antes contraídas, agora se relaxaram, desprendendo meu coração, que conseguia bater mais livremente. Eu conseguia senti-lo pulsando com vontade, como se uma faísca o tivesse revivido. O buraco em meu peito já não existia mais, eu estava perfeito — mas não poderia dizer totalmente curado, pois foi como se nunca nenhuma ferida tivesse sequer existido.

Ele cruzou o corredor de pétalas, entre as velas até mim, em um passo longo e comprido, até me alcançar. Depois de algumas declarações de saudades, seus braços firmes me envolveram em um grande abraço caloroso.

Ele me beijou, depois de um ano. 

Diferente de Romeu e Julieta, o beijo não me matou. Muito pelo contrário, ele me salvou de todas as maneiras que alguém poderia ser salvo.

domingo, 29 de abril de 2012

Torre.

Céu nublado, dia triste.
Como meu coração.

Depois que consegui convencer a mim mesmo de sair de casa, fui para a praia caminhar. Cheguei perto do mar, onde as ondas vorazes despencavam, sem pena, às margens da areia.

Sentei, meio sem jeito, não queria me sujar. Comecei a chorar. Chorei calado, um choro sem motivo que veio antes que eu pudesse me controlar. Foi forte repulsivo, não mais do que as ondas, bem mais do que eu pudia segurar. As pessoas passavam e me olhavam discretamente, eu meio palhaço, com o rosto borrado da água que me escorria. Algumas gotas afundaram os grãos de areia, deixando minhas marcas de tristeza em Copacabana, princesinha do mar. Desejei que o mar levasse tudo embora, como oferenda, meu medo, minha dor.

Depois de cansado, me esparramei pela areia. Vi as nuvens lá do céu, e por mais que elas se movimentassem, o mundo inteiro parecia parado para mim. Acho que fiquei uma hora deitado, esperando os soluços passarem. Meus olhos já secos, não tinham mais nada para desabafar.

Levantei descalço, com o par de tênis em minhas mãos. Molhei minhas pernas sensíveis da depilação, que se incomodaram com a água tão salgada. Fiquei vagando na beira do mar, sem rumo. Só sei que andei até meus pés doerem.

Não encontrei respostas imediatas, não me curei totalmente, ou fechei minhas feridas. Mas já estava mais relaxado, cada vez mais, aceitando a situação.

A vida tem disso. Tritura nossas ilusões, reduzindo-as a pó. Traz com isso, sofrimento. Te leva para morrer na praia.

Mostra a verdade.
E a verdade liberta.

segunda-feira, 6 de fevereiro de 2012

Para Camille Claudel.

Em minhas manias loucas de lidar com a ausência, com o amor; sentei em um dia nublado com uma amiga, para falar da amizade, esse grande valor tão difícil de decifrar.

Não tinha terminado nem ao menos um quarto do meu sanduiche, quando ela concluiu com aquele jeito original que só ela sabe fazer: você tem dificuldade em lidar com aquilo que te faz falta. Fui tentar dar uma de forte, aquele típico orgulhoso. Neguei um pouco a mensagem, quis desvirtuar a situação, colocar uma máscara bem diante do problema. Era mais fácil me enganar com uma mentira do que ter que encarar esse pepino grandão, logo agora. É chato quando a pessoa te conhece a fundo e você tenta parecer tranqüilo, mas ela saca que você está chateado. Depois de jogar com as cartas na mesa, ela quis me confortar com a sua sensibilidade; de um jeito meigo, estilo Julia mesmo. Respondeu com belos sorrisos: deixa de bobeira, é só uma dificuldade.De qualquer forma era uma dificuldade que eu precisaria vencer com o tempo. Típica pista de Sherlock Homes, como um passo cego ao se aproximar da causa do mistério. Ao longo do tempo, você começa a entender em qual jogo foi se meter; o difícil é arranjar soluções para resolver o caso, descobrir o assassino, evitar mais mortes e por aí vai. E foi.

Sou jovem e como qualquer outro tenho pressa de saber tudo agora, no presente. Mas a vida é como o enigma de uma esfinge, ela te apresenta sinais que só serão compreendidos depois de certo tempo.

Nunca tinha ouvido falar de Camille Claudel, até chegar à França. Sou como uma criança descontrolada; leio nomes e saio fazendo perguntas, procurando minhas respostas em qualquer fonte de conhecimento. Adorava me informar.

Camille, foi uma bela artista, que viveu em Paris. Era escultora, daqueles talentos que nascem com a pessoa e que nunca entendemos de onde vieram. Essas paixões residem em suas idéias e por lá mesmo se desenvolvem através da prática, e de uma forma fortemente original. E que por mais tentemos imitá-los ou nos esforcemos para criá-los, a pessoa sempre faz de uma forma mais simples e perfeita.

Exatamente quando estudamos e praticamos dias para a tão esperada prova de cálculo. Depois que os resultados saem, você descobre que outro aluno super dotado tirou uma nota infinitamente maior que a sua, sem abrir uma página do livro ou fazer uma lista completa de exercícios sequer. E você se pergunta: o que há de errado comigo? Na verdade, não há nada. A diferença é que a pessoa tem grande facilidade para captar as fórmulas das derivadas e aplicá-las sem errar nenhuma conta, na primeira tentativa. O que é portanto algo fora do comum, um dom, digamos assim. Ou para os mais sinceros: uma bosta de uma injustiça.

Uma vez tirei uma carta no Tarot que dizia em Caps Lock: “Tome cuidado com o amor, que ele pode te desviar dos seus objetivos e caminhos”, o que na verdade não gostei nadinha de saber, afinal sou rico defensor do amor. Lembrei dessa frase quando li o que constava na bibliografia de Camille, algo sobre o homem que ela amou. A flecha do cupido foi além do seu domínio e logo a menina se viu ardentemente apaixonada por seu professor- Rodin; que também era escultor. Viciado por esse tipo de manifestação dos sentimentos em estátuas, quadros, o que tiver a ver com arte. Subjetividade, profundidade enfim, coisas de Rafael.

As obras de Camile começaram a ser confundidas com as de Rodin. Afinal os dois eram muito conectados e tinham alta influência sobre a personalidade do outro, como em qualquer caso de envolvimento de amor. Como a vida normalmente é irônica: Rodin era casado. Não sei até que ponto Rodin escolheu se envolver ou não – até porque não escolhemos por quem nos apaixonamos, no coração não existe uma tecla “stop” de sentimentos, pensamentos, blasé.

Camille logo teve que se decidir entre a carreira e o amor. Sua arte estava sendo considerada uma cópia das de Rodin, sendo assim, falsas. Deve ter sido mais fácil para ela decidir, quando Rodin a largou do jeito mais seco que alguém pode ser largado, em qualquer lata de lixo de uma rua abandonada sem saída. Trapo sujo de ilusão esse amor, ela pensou, é claro. Desiludida, por ter se entregado de corpo e alma ao único homem a quem amou, Camille enlouquece algum tempo depois, sendo internada por alucinações; morre louca de amor, coberta de talento, recheada de sonhos obsessivos.

Às margens do rio Sena, na rua Quai de Bourbon, encontrei uma placa fincada ao mármore do casarão onde ela viveu. Em letras desgastadas pelo tempo lia-se em francês: “Il y a toujours quelque chose d’absent qui me tourmente”; segundo Jonas, meu tradutor: Existe sempre uma coisa ausente que me atormenta, trecho de uma carta mandada por ela à Rodin, por volta do ano de 1886. Não precisei pensar muito para saber o que era, enfim, esse objeto direto não pronunciado, essa tal coisa que Camille não exemplificou. Para falar a verdade, acredito que essa “coisa ausente” mude, dependendo da etapa de nossas vidas. Algumas vezes temos muito “alguma coisa”, mas isso se desfalece em pó, aos ventos; perdemos o que quer que seja: o dinheiro, o amor, o sentimento, o momento, o trabalho; mas conquistamos outra coisa qualquer, outro alguém qualquer. Ou reconquistamos aquilo que já se foi. Como dizia meu pai: “Rafael, paciência. Não dá para se ter tudo ao mesmo tempo.” E é a mais pura verdade.
Mas enfim, eu sabia o que me era ausente, naquele meu momento presente.

Conforme fui caminhando pensativo, tanto Julinha quanto Camille me vieram à mente. As duas se misturaram em meus pensamentos. Sinceramente, não sei de que forma tudo foi absorvido por mim, só sei que me senti consolado. Deixei meu ar de mimado de lado, e ao longo do dia fui aceitando o que me corroia por dentro; aquele vazio, aquela falta, que a escultora me alertou. Primeiro passo para aprender a lidar com a distância.

Podem checar se quiser. A placa continua na Rua 19 da Quai de Bourbon, a mesma placa a qual Caio Fernando Abreu descreve. Quando for a Paris, procure por ela, não seja orgulhoso, permita-se ceder: todo mundo sente falta de algo. E se você é humano, com certeza não é exceção.

Caso não possa fazer a viagem, não tem problema, apenas guarde a frase com você. Aceite aquilo que te for ausente, aceite a dor embora doa, feito faca cravada no coração. Seja lá o que quer que seja, não conte a ninguém: guarde somente para você.

terça-feira, 17 de janeiro de 2012

Agora.

Quando estiver sozinho, analise bem seu momento presente. Só tenha cuidado, porque é necessário que haja precisão, pois ele muda o tempo inteiro; é livre como o vento.

Corte seu passado pela raiz - só dessa vez.Não o deixe desaguar em águas atuais. O que passou não importa, e se você gosta de planejar, esqueça. Deixe o futuro para depois.

Pegue seu presente com muito cuidado, afinal, qualquer passo errado o transforma em outro mundo, outro sonho, outro momento. Leve-o em seus braços, observando-o atentamente. Encare quem ele realmente é. Não coloque máscaras para encondê-lo, assim ele se torna uma expectativa falsa, desiludida.

Não lhe dê tanto valor assim, não se encante; ele é instável, logo irá te deixar.

Seja ágil para identificá-lo, e para usufruir de tudo o que ele tiver para oferecer, afinal sua meia vida é curta. Da água pro vinho ele se torna, destorna, re-torna.

Ele transmuta rapidamente e de forma indecisa, como o silêncio que muda para um toque de um telefone, para algum grito ou buzina alta de um carro lá fora.

Quando você puder fugir da ocupação, dos problemas, do trabalho, do amor, olhe para o seu momento, até mesmo aquele esquecido em seu quarto; abrace-o.

Ele é aquilo que você vê. Lindo ou feio, ele é seu, por um instante. Não te sufoca, por não ser tão intenso. Não te machuca, porque some sem criar laços. O valor dele é leve, muito simples. E mesmo assim, único.

Quando puder, experimente dizer eu te amo, assim do nada, para ninguém.