sábado, 5 de junho de 2010

Oliver.

—Você está louco? Pirou de vez?
Ele me olhou de forma incrédula. A sua voz, que antes era preocupante, agora estalava em meus ouvidos em um ritmo frenético de se suportar.
Eu me levantei, temendo que minhas pernas não agüentassem tal ação. Elas me provocaram tremendo, e antes que eu pudesse me segurar, eu o percebi se mover antes da falha. Oliver apoiou os meus braços em seu pescoço, evitando a minha queda.
—Você não consegue nem levantar direito... — ele falou mais baixo, por estar próximo aos meus ouvidos.
Realmente, eu não sabia o que mais doía. Talvez fossem as minhas costas que estavam deslocadas. Ou quem sabe, os profundos cortes que ardiam sobre a minha blusa social, que agora, rumava da cor branca para a incandescente vermelho-fogo. Meus pensamentos já me lotavam de interrogações. E eu não podia deixar que eles entrassem em vigor. Se eu começasse a refletir sobre a situação do momento, provavelmente, eu acabaria mais confuso do que quando acordei no hospital após a briga de Albano. Se eu protestasse então, não precisaria nem ser um vidente para saber que meu fim seria cumprido em alguma clínica de reabilitação.
—O que houve com você? Quem fez isso a você?
Como eu poderia explicar isso a Oliver? O mais bizarro, é que até as emoções que afloravam sobre mim, eram incompreensíveis. A mistura do irreal curioso, com o medo penetrante, formava uma espécie de equação do segundo grau. Aquela que você sabe resolver, mas que é muito difícil de desenvolver. Como se as raízes estivessem muito próximas de serem achadas. Finalmente, eu estava perto de encontrar as respostas que me vinham desconhecidas, durante anos. Mas o que deveria ser tratado como algo essencial, nesse momento, regia apenas em segundo plano. O que mais me preocupava era que Taylor poderia estar em perigo. Assim que eu presenciei a sua imagem em alguma saudade momentânea, senti meu corpo revigorar. Em um movimento brusco, eu empurrei Oliver de lado, me levantando sem a sua ajuda. Vesti a calça preta do treino, rapidamente — com certeza ela me daria mais conforto para correr — calçando meu tênis e ignorando os gritos de meus neurônios.
Antes que eu pudesse pensar em alguma probabilidade, qualquer uma que fosse, de ultrapassar a porta da sala, Oliver apareceu com o peito estufado em minha direção.
—Até parece que eu vou deixar você passar.
—Oliver... — mas minha voz falhou.
—Você pirou, Bruno? Dá para pelo menos me explicar o que aconteceu?
—Não posso.
—Não pode... Por quê?
Sua voz em pânico lutava como as garras de um leão selvagem. Ele queria arrancar minhas respostas de qualquer jeito.
—Me entenda, por favor. Você está me fazendo perder tempo.
Ele socou a parede.
Eu me assustei com o seu rápido movimento. E estava tão fraco, que nem consegui prever a sua ação. Só existia um momento em que Oliver se encontrava perto de perder toda a sua personalidade racional. Quando ele percebia que eu estava machucado.
—Não importa o que você me diga, não vou deixar você passar.
—Se você realmente gosta de mim, deveria respeitar minhas decisões.
Ele fez uma careta, olhando firmemente para mim, erguendo uma de suas sobrancelhas, e enfim, recusando-se a ceder. Eu estava jogando sujo. Mas de alguma forma, eu precisava atingir o seu ponto fraco. Nem que eu desse uma leve trapaceada. Eu o conhecia suficientemente, para saber que ele não iria me deixar passar, não enquanto eu não mostrasse que de alguma forma, eu acabaria bem. Fiquei até orgulhoso de mim mesmo, por conseguir argumentar mesmo no estado físico em que eu me encontrava. Mesmo assim, meus argumentos eram todos falhos.
Os segundos se passavam e o nervosismo que cada vez mais acelerava meu coração, me fazia suar frio. Só de pensar que eu ainda estava naquele quarto. Só de pensar que Taylor estava em perigo. Naquele momento, eu percebi que nada mais me importava. Que nenhuma conseqüência poderia ser pensada. Tudo o que eu queria fazer, era ir atrás dele. Procurando uma mínima brecha, em algum segundo de distração, eu olhava fixamente para Oliver. Assim que ele virou o rosto, cansado de me encarar, eu tomei uma decisão. Sem pensar duas vezes, eu avancei espalmando o seu peito, tentando empurrá-lo. Não adiantou porcaria nenhuma. Ele permaneceu parado, e eu que fui deslocado. Só que para trás. E que ótimo... Agora eu me encontrava mais distante da saída, do que anteriormente.
—Me deixa passar, Oliver, por favor!
Meus olhos encheram-se de lágrimas, sem eu ao menos perceber. Ele fez que não com a cabeça. O tempo era muito curto para eu medir meus atos impulsivos. Eu soquei o seu tórax, depois o seu braço, e repeti inúmeras vezes, aumentando a velocidade. Logo, a fraqueza perpetuou minha mente, mas eu não me deixaria desistir. Nem que eu desmaiasse ali mesmo tentando, eu precisava chegar até lá. Depois de perceber, inconscientemente que eu tinha dado um forte tapa em seu rosto, eu o abracei pelo pescoço.
—Droga, me desculpa!
Eu tentei me controlar, da mesma forma em que procurei confortá-lo, fazendo um leve carinho entre os seus cabelos. Mas eu estava em desespero, chorando litros de água em cima do seu ombro. Eu não podia parar de suplicar.
—Oliver, eu preciso ir até ele. Eu preciso avisá-lo da situação. Tem alguma coisa errada e você sabe disso. Ele está sozinho naquela droga de colégio. Acha que não foi armado?
—Lógico que foi. Com certeza, a pessoa que fez isso com você, irá atrás dele. Mas isso não interessa. Você vai colocar sua vida em risco, por causa daquele cara? — Eu já ia virar meu rosto, quando ele afagou minhas bochechas com as suas duas mãos, duras feito pedra. — Olha! Você pode me escutar? Eu não sei o que aconteceu. Mas alguém tentou te matar. E ele provavelmente está envolvido nisso também.
—Ah não me diga! É isso que eu estou tentando te avisar. A pessoa que me fez isso; — eu apontei para os cortes localizados em meus braços — Também conhece Taylor.
Era inevitável revelar partes da situação para ele. Aos poucos, ele iria encaixando as peças. A situação já estava crítica. Todo esse papo de morte para cá, morte para lá, fazia meu estômago se retorcer.
—Isso não importa. O que eu estou tentando te avisar é outra coisa. Algo mais importante. Você não sabe o que está acontecendo. Se você for até lá, a pessoa pode tentar te matar novamente. Você pode até morrer por perda de sangue.
—Não exagera! Será que você não enxerga que isso não importa mais. Existe uma única chance de saber o que está havendo. E essa chance é agora.
—Quem fez isso a você?
Ele tonificou cada sílaba da sua frase anterior, vagarosamente.
—Oliver, por favor. Só você pode me ajudar. Me leve até ele. Até o colégio, só isso.
—Desculpa, mas eu não posso.
—Então, eu vou sem você, já disse. E não me impeça. — eu ameacei apontando o dedo para o seu rosto, achando que isso realmente fosse adiantar. Ele simplesmente fechou a sua expressão, mordendo os lábios, com muita raiva. Passei do seu lado e durante alguns segundos, eu pensei concluir que tinha vencido. Mas antes de rodar a maçaneta, ele me pegou fortemente pelo braço, me fazendo ficar a apenas um centímetro do seu rosto. Eu engoli seco, meio tonto por ter perdido o último fôlego que me restava.
—Eu não quero te perder.
Eu arfei, virando o rosto de lado.
—É sério.
Ele encostou levamente o seu nariz no meu, fazendo um carinho bom de se sentir. Eu respirei fundo para poder suportar aquilo. E respondendo em um tom de voz mais paciente, eu me defendi.
—Você não precisa. Você precisa me ouvir, precisa me ajudar. Também não quero ir, sem você...
—Não entendo como pode tentar ir atrás dele, do jeito que você está. Você está brincando com a morte.
Eu também não entendia. Porém, uma suave resposta formou-se no vácuo de minha mente.
—O amor... Ele é ilógico e irracional.
Para complicar ainda mais o meu nervosismo, fez-se um rápido silêncio no cômodo. Mas nós dois continuávamos grudados, prendidos pela tensão.
—É, eu estou percebendo. — Ele sorriu, rachando a discussão em vários pedaços.
—Está?
—Nem acredito que eu vou te levar até ele.

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