quinta-feira, 8 de julho de 2010

Quebra.

Quando o impacto me acertou, tenho certeza de ter visto o rasgo que aquilo me causou. O problema é que eu ainda estava incrédulo com o momento. Anestesiado, por ele ainda estar ali. Não entrei em pânico, porque a esperança é a última que morre. Quem sabe ele poderia voltar atrás?
Trapo sujo de ilusão.
No fundo da minha alma, não existiria nada, mas nada nesse mundo que eu desejasse mais do que tudo: que tudo fosse uma mentira. A sua decicão se tornou infalível, assim que ele virou de costas, me deixando ali, parado, sem amparos. Desconfio que durante alguns segundos, ele tenha esperado alguma palavra minha sair. Logo se certificaria, que meu silêncio seria perpétuo e então, seguiria seu rumo.

Vocês sabem muito bem como é. Na hora, não sai nada, você ainda está atordoado com a pancada repentina. Como uma grande surpresa, que nunca esperamos receber, mas quando recebemos não temos reação. Ou até a expressamos, só que em excesso. Na hora, nunca dói tanto. A destruição começa, quando ele vai. Quando você se entorpece de pensamentos que alastram a sua cabeça de dúvidas. Quando você não sabe no que vai dar. Mas foi melhor ele ter ido. Por mais que eu quisesse fugir da realidade, não seria saudável para mim.

Viver é melhor que sonhar.

O céu não estava escuro. Pelo menos, não enquanto pude desfrutar do grande espetáculo a minha frente. Era impossível pisar pela sala, sem olhar o magnífico cenário que Baden sempre me proporcionava. Não houve nenhum momento, por mais apressado que eu tenha entrado no cômodo, que não tenha congelado, ao me deparar com larga montanha, cheia de gelo acumulada em seu topo, o qual escorria elegantemente, até a sua base.
Dessa vez a dádiva das minhas tardes, não possuía um pôr-do-sol. Talvez eu pudesse ficar satisfeito apenas com o manto acinzentado que agora cobria a minha tão adorada brasa ofuscante. O sol da Alemanha sempre fora o ideal para mim. Como o frio nunca desistia de balançar os meus ossos, o calor não ficava tão sufocante, comparado ao inferno do Rio de Janeiro. Agia como uma brisa melódica presente no vento, sempre cantando em meus ouvidos. O tom das cores frias, coberto pelo silêncio importuno do cômodo, — com exceção dos sentimentos que explodiam como fogos de artifício — respeitava o vazio que eu sentia por dentro. E isso me consolava de certa forma. Mas confesso, que fiquei ligeiramente incomodado pela ausência das texturas mais quentes. A minha última esperança era que elas aquecessem o meu tão lamentável coração, que regia, agora unicamente em forma de uma implacável lápide glacial. Logo, ele ficaria tão rígido, que se romperia em pedaços. Não demorou muito, para que a minha afirmação se tornasse realidade.

Eu me enganei centenas de vezes. Primeiro, porque eu sabia que não poderia lutar contra a minha tristeza. Minha vontade de afastá-la era menos perseverante do que a sua insaciável sede de me alcançar. Adiar o sofrimento era como pular de um penhasco, tentando cogitar uma mínima probabilidade — por menor que fosse — de sobrevivência. Também me decepcionei em achar, que seria suportável. Eu sabia que não seria fácil.

Apenas não pensei que pudesse ser tão difícil.

A perda aos poucos, me consumia. Alimentava o meu vazio, triturando a minha razão de existir. Ela ficou ali sentada ao meu lado na cama, sugando a minha respiração, destruindo meus órgãos internos, em um ritmo cortante, muito ardente. Taylor sempre fora a chave da minha felicidade. Sem ele, o caminho ainda estava lá, esperando para ser seguido. Só que agora, sem luz. Sem proteção. Sem vontade. Agora a minha única companheira era a dor. Vocês podem dizer o que quiserem dela. Que ela te faz crescer. Que muita vezes, age injustamente. Mas vocês nunca poderão duvidar de que ela é muito capaz no que faz. Exerce perfeitamente, o seu trabalho.

Tudo estava preso dentro de mim. E eu estava pagando caro, por não aceitar o que estava me invadindo. Por não enfrentar que as coisas tinham mudado. O preço era bem alto. O suor desceu evoluindo o nervosismo, mas as lágrimas não. A vermelhidão ainda estava presente em meu rosto, arranhando cada canto nele presente. Antes que eu pudesse surtar, com a dor que imperceptivelmente se transformava em raiva, escutei um ruído na porta. Tentei falar, mas não consegui. Ao ousar me mover, vi que era incogitável.

Dessa vez o som foi mais alto. Aquela altura eu estava em outro mundo e nada mais me importava. Eu subestimei a minha viagem, pois retornei ao solo, mais rápido do pensei. Assim em que eu escutei a sua voz. Recuperei a minha energia, correndo até a porta e abrindo-a com um movimento só. Ela bateu do outro lado, tremendo escancarada.

—Desculpa vir de repente. Mas eu precisava te ver.
—Oliver!

Fechem os olhos. Deêm a mão para a escuridão que vier a surgir. Desenhem um copo. Ele tem um determinado volume. Ele está sendo cheio por qualquer substância que vocês queiram imaginar, vai de agrado a cada um. Ele chega ao limite, passa do limite. Mas o inesperado acontece. E a lei da física é quebrada. Ele não transborda. Apenas vai enchendo, enchendo e enchendo. Havia algo que o impedia de ser derramado, ou melhor, despedaçado. Esse limite simplesmente sumiu e a dor finalmente descolou de minha pele, evaporando. Ela não foi embora completamente e eu sabia que a partir de agora, agiria como uma erva-daninha em minha alma, fincada em mim, durante praticamente toda a minha vida. Iria diminuir com o tempo, que não é bom em curar e sim, em habituar. Mas em algum cheiro, música ou lembrança, novamente ela estaria lá, nostálgica e simplesmente invencível.

Oliver era o catalisador da minha reação. A partir dele, eu encontraria aos poucos o perdão em mim. Sei, que o ideal seria achá-lo através do meu autoconhecimento. Mas dessa vez, a dor estava dissolvendo o que antes me sustentava. E eu precisava do meu amigo ali. Dessa vez, eu precisava me reerguer, com ele.

Depois de alcançar o seu pescoço — o que não fora difícil porque Oliver era apenas alguns centímetros mais alto que eu — chorei bem alto em seu ombro. Soltei um intenso gemido, mas não em tom alto e sim estendido. Ele me segurou pela cintura, um pouco encolhido e preocupado. Fez um leve cafuné em meus cabelos. Com os braços cruzados entre si, envoltos à sua cabeça, pude me sustentar, apertando-o com muita força, praticamente tentando atravessar o seu corpo ao meu.
—Não consigo respirar. — disse.
—Desculpa. — eu falei tão rápido, que atropelei todas as letras da palavra. Depois de um tempo percebei, que ainda não o tinha soltado.
—Ainda não consigo respirar, é sério. — eu notei a dificuldade na sua fala, por causa da falta de ar e consegui me desprender do seu abraço, por um instante. Ele me encarou.
—O que houve?
Eu enxuguei três vezes os meus olhos — todas em vão, pois as lágrimas continuavam a sair, com velocidade — retomando aos poucos a noção do lugar a minha volta. E notei que estava apenas com uma blusa social, cobrindo parte da cueca e deixando as pernas a mostra.
—Desculpa, não tive tempo de me trocar... — coloquei a mão no rosto. Meu Deus como eu devia estar horrível! Com um rosto péssimo, cheio de olheiras, igual a um defunto. Ou pior. Ele não precisava suportar aquilo. Eu consegui continuar a falar, em um ritmo bem frenético.
—Sério, desculpa mesmo. Eu devo estar com uma cara péssima. — ele revirou os olhos. Já era a terceira vez que eu me desculpava. Parecia que era a única palavra que eu conhecia do dicionário.
—Deixa de bobeira Bruninho. Você é lindo de qualquer jeito.
Eu sorri instantaneamente. Ele sorriu de volta, retribuindo. Mesmo assim, eu ainda tentava me esconder, entre as mangas cumpridas da minha blusa.
—Pera, deixa eu me trocar. — não falei pela aparência, falei mais pela roupa. Eu estava quase nu.
Ele me segurou, me trazendo para próximo do seu rosto. Meu nariz quase raspou o dele.
—Não precisa, assim está ótimo.
Eu arfei, com o seu olhar penetrante.

—Foi ele não foi?
Ele se referiu a Taylor. Eu hesitei, ficando quieto. Por algum motivo, não consegui negar. Foi quando percebi que, sem querer eu tinha dedurado a ação de Taylor. E Oliver não pensaria em descobrir qual era. Ele só pensaria no resultado. Na dor que ele me causou.
—Eu vou atrás dele.
—Como é? — sabe quando você está tão lerdo que não consegue receber a informação?
—Ele merece uma surra.
—Oliver. — eu disse bem firme.
Ele me ignorou, praticamente bufando, indo em direção ao elevador.
—Oliver, não!
Minha voz ecoou pelo corredor. Em uma tentativa irracional de correr até ele, acabei cedendo à fraqueza no caminho. Minha visão ficou turva, e quando pensei que fosse desmaiar, ele me acudiu. Ele me levantou devagar. Tentei controlar as palavras, mas essas foram mais rápidas do que a minha mente.
—Não vai, fica aqui... Comigo.
Notei meus olhos ficando túrgidos novamente, e retornei ao choro. Me lancei no meio do seu peito, colando meu rosto bruscamente e então, desabei. Não estaria exagerando caso dissesse, que molhei grande parte da sua camisa.Uma das mãos se fechou em um punho e descontei a raiva socando levemente seu tórax. Alguns gritos, abafados foram soltos, em tons suportáveis. A fera dentro de mim, se manisfestava aos poucos, sendo dominada.
—Chore o quanto puder. Para não chorar nunca mais por aquele infeliz.
Ele apoiou o queixo em minha cabeça, me apertando junto dele ainda mais. Aquilo foi bom, e a dor se amenizava, gradualmente. Ficamos ali, durante um tempo, até me certificar de que toda a água que fazia parte do meu organismo, havia sido expelida em aflição, através de meus olhos.
Bom, não posso negar o quão difícil de cursar, estava o meu caminho. Mas a escuridão, agora se fora. Oliver fazia parte da superação. Eu não precisava de tempo, mas sim da sua sua amizade. Do seu amor. O penhasco não existia mais.
Ele era a luz capaz de me guiar, me ajudando a contornar cada pedra que fosse aparecer.
E essa luz, jamais se apagaria.

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