domingo, 15 de agosto de 2010

Bach.



Se você pudesse escolher um local para encontrar o amor da sua vida, qual seria? Optaria por um restaurante reservado, banhado apenas a luz de velas, ou quem sabe um imenso jardim florido, com dezenas de cores entrelaçadas? Se apenas por um dia, você pudesse saber do seu futuro. Como você montaria o seu primeiro encontro? Com um tropeço casual, um bilhete romântico, ou uma serenata composta por ricos versos em poesia?
Quem nunca projetou um sentimento? Idealizar faz parte da vida. Tentar criar laços com o desconhecido é apenas uma esperança de que algo positivo seja atraído. Comigo, deu certo. Porém, com muita cautela. Nunca me perdi entre os meandros de meus sonhos. O diferente, é que a vida me surpreendeu. Tudo aconteceu de uma forma que eu jamais esperaria. O que parecia ter-se perdido, minutos atrás, se encontraria tão intacto quanto firme, meses depois.
Não. Essa é a resposta. Se eu pudesse eu não voltaria atrás. A maneira a qual conheci Taylor foi essencial para que a nossa paixão crescesse vagarosamente. Caso eu tivesse tomado consciência da paixão que eu sentia por ele, no momento em que nossos olhares se esbarraram, talvez mais tarde, eu não tivesse tempo para construir com toda a minha dedicação o nosso mais puro amor. A verdade, é que eu não gosto das coisas perfeitas. Só somos perfeitos, quando incorporamos nossas imperfeições.
Ao sair do colégio, eu ainda estava muito insatisfeito com as nossas idéias opostas. Mais uma preocupação futura em vão.

Ele era rígido em seus argumentos. E eu, sempre envolvido com a sua teimosia, não desistia de tentar mudá-los. A minha idéia era de que tudo teria terminado. E que nós realmente não combinávamos. Mas é claro que embora as pistas indicassem isso, o desfecho seria totalmente diferente. Afinal, não faria sentido eu redigir um livro, tão tedioso assim. Se a minha vinda à Alemanha tivesse sido tão monótona, provavelmente eu não continuaria na escrita deste capítulo.

Continuo com a teoria de que tudo acontece por uma razão.

Pela paisagem, eu me encontrava na parte de trás do colégio. A minha primeira visão foi construída por um campo sintético. Andei ao lado das grades retorcidas que contornavam as tintas brancas laterais, desenhadas na grama. Elas se estendiam pintadas formando o círculo do meio de campo até o fundo da quadra. O sol, dessa vez, não fazia efeito nenhum. Apertei minhas costelas, petrificando diante do frio. A piscina olímpica não estava vazia. Os professores ajudavam os alunos com os exercícios de aquecimento. O atletismo, presente em uma das quadras, lembrou minha época colegial ao lado de Luis, onde nós corríamos para conseguir participar das olimpíadas anuais. O chão rico em poeira avermelhada era refinado por linhas traçadas. Elas formavam a trajetória a ser percorrida. Lógico que de metros em metros, havia obstáculos certeiros que deveriam ser ultrapassados.

Tática do destino ou não, eu estendi meu olhar a esquerda, notando um casarão de madeira. Hoje em dia, mais do que nunca, posso comprovar de que tudo é ligado por uma teia de acontecimentos. Quando você modifica uma ação, isso afeta uma onda de consequências. Se eu tivesse acertado a saída do colégio, talvez não tivesse encontrado com a casa soerguida em estilo oriental. Mais para frente, eu daria conta de mais uma forte paixão.

A primeira vez em que o vi, ele estava com um formoso quimono branco. Por sorte, ele não notou minha presença. Naquele instante, ele nem fazia noção de que eu assistia a todos os seus movimentos. E que bom. Jamais desejaria que ele perdesse a sua livre espontaneidade. Oliver se sobressaía muito além de toda a sua personalidade, quando agia de forma natural. O seu espetáculo estava sendo todo dedicado a mim, já que só eu podia desfrutar daquilo.
Com um saco pesado de areia pendurado pelo teto do dojô, ele treinava a sua velocidade. Abria sua postura, sempre de forma suave, e em menos de um segundo, batia com a sua canela, deslocando o objeto a metros de distância. Ele tinha uma boa precisão. Mas ao me concentrar, senti através do seu Ki alguma força de vontade retida. Por causa dela, seu treino ainda não havia se desenvolvido da forma que ele queria. Qual seria o motivo dessa retração? Por que será que lhe faltava confiança?

Oliver esbaldava beleza. Ele era o próprio Deus grego, só que em carne e osso. Por incrível que pareça ele era humano. Não se preocupem. Eu também demorei, para acreditar nisso. Mas não queria confundir minha realidade pela segunda vez no mesmo dia. Já bastava Taylor.
O seu cabelo era descomunal. À medida que ele se movia, buscando aperfeiçoar seus socos nas brisas etéreas, o tom loiro de seus fios reluzia contra os feixes do sol, os quais ousavam entrar pelas frestas das janelas superiores. O brilho cegava meus olhos, e eu só me acostumaria com aquilo, dias depois. Era liso, sempre bagunçado, sendo do tipo que você ajeitava de qualquer forma e ficava naquela posição. Sobre os seus olhos... Nem tenho palavras. Quando penso no contraste, eu perco o ar. Para que ter o céu acima de você, se você podia olhar diretamente para os olhos de Oliver. Era uma imensidão anilada inexplicável. Um azul tão cintilante que eu conseguia percebê-lo à distância.
Ele era quase da minha altura. Alguns centímetros mais baixo do que eu. Bem mais forte. Seus músculos definidos davam total controle às suas ações. Ele não era desengonçado. Tinha um ar de moleque ao se mover, um tão inocente. Buscando se aventurar sempre no próximo desafio que estiver por vir. O seu esforço mental ia além de qualquer limite físico.
Parado a porta, eu massageei levemente com a língua meu lábio inferior. Terminei com uma mordida. Não tinha como não se excitar com aquilo. A postura masculina era bem representada por ele. Bom, eu não poderia ficar ali para sempre, embora eu desejasse isso. A sua concentração desmoronou assim que ele me viu. Ele ficou sem ação, tanto quanto eu.
—Ah, desculpa. Eu... Eu-eu só estava passando e... — eu gaguejei na explicação.
Ele falou algo em alemão que eu não entendi. Repeti minha última frase em inglês, explicando que eu não entendia a língua alemã.
—Que isso. Não precisa se desculpar. — ele sorriu. A partir de agora podiámos no comunicar.
—Se você quiser pode entrar no tatame. Não me importo de continuar com você observando.
Já posso morrer? Eu aceitei seu convite. É lógico.

Fui até um banco de madeira colado a parede, onde me sentei. Ele pegou uma toalha e enxugou um pouco o seu suor. Já não bastava ser bonito. O garoto era simpático.
—Você é aluno novo? — ele pulou, dando um chute no ar. Um perfeito exibicionista. O saco de pancadas cambaleou. Quando ele voltou ao chão firme novamente, acabou se desequilibrando. Cheio de vergonha, abriu mais um belo sorriso.
—Não. Eu vim realizar uma entrevista.
O sorriso largo de Oliver sumiu. Seu Ki se retraiu, concentrando-se.
—Ah, uma entrevista?
—Sim. Fiquei sabendo de um caso polêmico por aqui.
—Sim, claro. Quem não sabe.
Ele aqueceu suas pernas, em curtos movimentos agitados antes de chutar de forma lateral, novamente. Seu Ki antes concentrado, agora se espalhava como uma pólvora entrando em contato com o fogo.
—Estou tentando o cargo de psicólogo.
—Do Strauss?
Sua voz foi como um relâmpago no silêncio do lugar.
—Sim. Taylor está com problemas.
Após os sucessivos socos descontados, pude perceber que aquilo causava raiva no rapaz. De algum modo, ele não admirava Taylor. Mas eu não seria tão impulsivo ao me intrometer nisso.
Ele caminhou até mim, sentando do meu lado, nada cansado. Apoiou a toalha de rosto no ombro, e com o quimono semi-aberto, vi parte do seu tórax exuberante.
—O que você acha?
Por um milésimo de segundo eu pensei que ele estivesse se referindo ao próprio corpo.
—Como assim?
—O que você acha que ele tem? — ele se cobriu com a toalha, para enxugar o suor. Foi a única vez em que eu perdi o contato com o seu rosto.
—Bom... Eu não tenho muitos dados sobre o caso ainda. Eu estive apenas alguns minutos com ele.
—E você acha que ele fala a verdade?
—Eu espero que sim.
—Mas será que realmente é possível? Essa história de perder o controle. Você sabe... Perder o controle sobre a mente.
Eu ri expelindo minha respiração, sem forçar.
—Bom, acho que sim. Mas não sei como isso pode acontecer.
Oliver se perdeu em pensamentos. Eu continuava estudando sua movimentação interna. A energia dele me acalmava. Ao contrário de Taylor, que acelerava qualquer percurso.
—Ah, então. Sou Oliver. Oliver Bach.
—Prazer. Eu sou Bruno.
Ele esperou pelo meu sobrenome, mas eu não sou acostumado com esse padrão de apresentação. Ele apertou a minha mão, mais firme do que eu esperava.

—Então... Explorando o colégio? — nossa conversa era formada de risos de cinco em cinco segundos.
—Eu saí pelo lado errado. Fiquei curioso em conhecer as áreas esportivas, quando te encontrei praticando.
—Você gosta de Karatê?
—Eu adoro qualquer arte marcial. Eu pratico ninjutsu, por isso fiquei te observando.
—Ninjutsu? Que raro. Já ouvi falar da arte, mas nunca conheci ninguém que fizesse.
Ele tirou uma garrafa d’água da mochila. Estava sedento, por isso parte dela escorreu pelos cantos da sua boca.
—E então, você gostou?
Mas que mania de fazer perguntas sem o complemento verbal. Objeto indireto por favor.
Ele leu a minha cara de interrogação.
—Você gostou, dos movimentos?
—Sua postura é bem baixa e precisa. É rápido no que faz. Você tem um bom talento.
—Você fala como se tivesse muita experiência com o assunto. Pratica ninjutsu faz quanto tempo?
—Tem cinco anos. Você?
—Faz uns 10 anos.
Ele se levantou, deixando a garrafa de lado.
—Gostei da sua confiança. Gosto das pessoas que são seguras.
Segurança. Era exatamente o que faltava nele. Era normal ele reconhecer isso em outra pessoa. Já que era algo ausente em si mesmo. Ele prosseguiu.
—Vamos testar sua técnica.
Eu dei um pulo do banco, rindo descontraído.
—Que isso. Nem estou vestido apropriadamente. — apontei para a minha calça Jeans.
Mesmo improvisando uma desculpa muito coerente, não consegui fazer com que ele desistisse da idéia. Ele enfiou a mão dentro da mochila fazendo uma calça brotar diante de meus olhos. Era branca, de um tecido macio.
—Toma. Só precisa vestir.
—Isso é serio? Você é tão competitivo assim?
—Ah, que nada! Só quero me divertir um pouco. É difícil encontrar gente que pratique por aqui. Especialmente alguém que saiba cultivar uma boa conversa.
—Anh. Não sei. Será que cabe?
—Lógico que sim. Temos medidas quase iguais. Vamos lá, sem mais desculpas.
Suspirei, derrotado.
—Ok então. Vou me trocar.
Oliver sabia que mais cedo ou mais tarde eu cederia a sua proposta de luta. Ele já tinha sacado a firmeza em meus olhos.

Firmeza que ele passou a vida toda procurando.

Nenhum comentário:

Postar um comentário