terça-feira, 19 de abril de 2011

A cura do amor.

Aquele ambiente era morto antes dele chegar. A única coisa que ilumanava o local eram as inúmeras refrações que o sol fazia ao penetrar através da janela. Não havia vida, não havia cor, nenhuma razão para se viver. Ela nem sabia porque vivia. Muitas vezes, eu cheguei e me perguntar o que tanto a menina observava entre as frestas da janela. Mas cheguei a conclusão de que ela só olhava, pois não restava nenhuma outra opção. Ela se perdia, durante horas, pensativa, como uma estátua.
Obviamente.
Qual será o sentido da vida para uma pessoa que não consegue mexer nenhum milímetro do corpo? Vocês não conhecem a dor verdadeira. Ela jamais se colocou em uma situação díficil. Nunca alimentou nenhuma dor. Ela nunca procurou motivos para tornar a sua vida um inferno. Ela simplesmente sempre conviveu com isso.
Existem muitos tipos de paralisia, se vocês querem saber. Pior mesmo é quando você escolhe ser paralítico, por opção. Mas isso está relacionado ao poder de ação e não a paralisia física em si.
O não-movimento está presente no nosso dia a dia. As pessoas são tão passivas em relação a vida. O medo de arriscar, o orgulho do não falar, o silêncio do não agir. Hoje em dia, não se tem mais amor, pois não há mais entrega. O medo venceu a coragem da declaração, venceu qualquer tipo de ato para mudança do mundo. Hoje se vemos um ato de injustiça na rua, não chamamos a atenção, não nos rebelamos pois não queremos nos intrometer: pode sobrar para nós. A solidariedade não existe mais, achamos que somos fantoches nas mãos de Deus, o que é mentira, porque somos nós que comandamos as rédeas de nossas vidas. Achamos que jamais poderemos mudar o mundo com uma simples ação e por isso é muito mais fácil aceitá-lo do jeito que é, pois nos sentimos incapazes, seres inferiores. Mas com ela nunca foi assim.
Antes, a sala era vazia. Mas agora aquela pessoa de branco sempre estava lá. Na verdade, nunca consegui ver o formato do seu rosto. Mas ele sempre estava lá. Não só fisicamente, mas na própria atmosfera emocional.
A menina era reluzente. Seus olhos cor de mel desafiantes, o contorno de sua boca bem suave e suas maçãs faciais sempre estavam amenizadas, robustas. Uma pele branca, de seda puro marfim, parecia uma obra de arte realizada por um artista renascentista. Os traços do seu rosto lembravam feições de um anjo, não havia nenhuma linha mal desenhada, ou qualquer imperfeição. Seus cabelos eram como o fogo que ardia dipersando-se em brasas, em uma noite muito fria de inverno. Entravam em contrate com o seu tom claro, de porcelana.
Quando ele chegava, ela tentava sorrir. Mas é claro que não conseguia. Ele conversava tanto com ela, embora ela não pudesse respondê-lo. Ou soltar qualquer tipo de ruído. Ela só respirava, piscava e olhava, por isso era uma ótima ouvinte. E sofria muito por não poder correspondê-lo, pois nunca fora orgulhosa. O seu sonho era simplesmente retribuir as ações daquele homem, que por um momento pareciam tão excessivas quando comparadas as dela. Ela gostaria de uma única vez não ser a limitante. Mas ela era limitada: era um vegetal. Talvez a flor mais bonita já encontrada pelo ser humano, tão serena, tão compreensiva. Seu cheiro fazia os cinco sentidos gritarem.
Não podia retribuir, não podia falar o quanto o amava, embora ele sempre repetisse em seu cotidiano, em suas despedidas. Isso é, quando ele conseguia deixar aquele cômodo. Então, ela ficava ali parada, dedicando toda a sua atenção, ouvindo cada declaração, imóvel, sem ao menos poder abraçá-lo, imaginando que assim poderia se redimir, e que assim ele a perdoaria por ser tão fraca, tão incapaz. Ele a beijava. A abraçava. E ela se sentia completa, realizada.
Em um dia de chuva, pela primeira vez em uma dezenas de anos consecutivos, ele não apareceu. Uma enfermeira, nesse dia cuidou da menina. Mas ele continou a faltar e a faltar cada vez mais, durante semanas seguidas.
Ela se sentia presa mais do que um leão enjaulado, extravasando ansiedade, desejando mais do que tudo entender a ausência do seu amado. Ela queria uma explicação, mas não podia exigir seu direito por ela.
A notícia chegou em um dia escuro, o qual até mesmo o sol recusou-se a a sair por detrás das nuvens. Algumas enfermeiras entraram no cômodo e deixaram em cima da cama um diário fechado. Nele, se encontrava o nome da menina. O presente era para ela.
O médico antes de morrer, deixou uma lembrança ao seu amor.

Para o espanto de todos, em um ato fisicamente impossível, a menina se levantou para pegar o diário. Página por página, ela leu, aliviando-se em um choro desesperador que estivera retido e guardado, durante todo o tempo de sua vida.
—Eu também te amo. — ela disse, gaguejando.

E torceu para que ele pudesse ouvi-la.

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