segunda-feira, 6 de fevereiro de 2012

Para Camille Claudel.

Em minhas manias loucas de lidar com a ausência, com o amor; sentei em um dia nublado com uma amiga, para falar da amizade, esse grande valor tão difícil de decifrar.

Não tinha terminado nem ao menos um quarto do meu sanduiche, quando ela concluiu com aquele jeito original que só ela sabe fazer: você tem dificuldade em lidar com aquilo que te faz falta. Fui tentar dar uma de forte, aquele típico orgulhoso. Neguei um pouco a mensagem, quis desvirtuar a situação, colocar uma máscara bem diante do problema. Era mais fácil me enganar com uma mentira do que ter que encarar esse pepino grandão, logo agora. É chato quando a pessoa te conhece a fundo e você tenta parecer tranqüilo, mas ela saca que você está chateado. Depois de jogar com as cartas na mesa, ela quis me confortar com a sua sensibilidade; de um jeito meigo, estilo Julia mesmo. Respondeu com belos sorrisos: deixa de bobeira, é só uma dificuldade.De qualquer forma era uma dificuldade que eu precisaria vencer com o tempo. Típica pista de Sherlock Homes, como um passo cego ao se aproximar da causa do mistério. Ao longo do tempo, você começa a entender em qual jogo foi se meter; o difícil é arranjar soluções para resolver o caso, descobrir o assassino, evitar mais mortes e por aí vai. E foi.

Sou jovem e como qualquer outro tenho pressa de saber tudo agora, no presente. Mas a vida é como o enigma de uma esfinge, ela te apresenta sinais que só serão compreendidos depois de certo tempo.

Nunca tinha ouvido falar de Camille Claudel, até chegar à França. Sou como uma criança descontrolada; leio nomes e saio fazendo perguntas, procurando minhas respostas em qualquer fonte de conhecimento. Adorava me informar.

Camille, foi uma bela artista, que viveu em Paris. Era escultora, daqueles talentos que nascem com a pessoa e que nunca entendemos de onde vieram. Essas paixões residem em suas idéias e por lá mesmo se desenvolvem através da prática, e de uma forma fortemente original. E que por mais tentemos imitá-los ou nos esforcemos para criá-los, a pessoa sempre faz de uma forma mais simples e perfeita.

Exatamente quando estudamos e praticamos dias para a tão esperada prova de cálculo. Depois que os resultados saem, você descobre que outro aluno super dotado tirou uma nota infinitamente maior que a sua, sem abrir uma página do livro ou fazer uma lista completa de exercícios sequer. E você se pergunta: o que há de errado comigo? Na verdade, não há nada. A diferença é que a pessoa tem grande facilidade para captar as fórmulas das derivadas e aplicá-las sem errar nenhuma conta, na primeira tentativa. O que é portanto algo fora do comum, um dom, digamos assim. Ou para os mais sinceros: uma bosta de uma injustiça.

Uma vez tirei uma carta no Tarot que dizia em Caps Lock: “Tome cuidado com o amor, que ele pode te desviar dos seus objetivos e caminhos”, o que na verdade não gostei nadinha de saber, afinal sou rico defensor do amor. Lembrei dessa frase quando li o que constava na bibliografia de Camille, algo sobre o homem que ela amou. A flecha do cupido foi além do seu domínio e logo a menina se viu ardentemente apaixonada por seu professor- Rodin; que também era escultor. Viciado por esse tipo de manifestação dos sentimentos em estátuas, quadros, o que tiver a ver com arte. Subjetividade, profundidade enfim, coisas de Rafael.

As obras de Camile começaram a ser confundidas com as de Rodin. Afinal os dois eram muito conectados e tinham alta influência sobre a personalidade do outro, como em qualquer caso de envolvimento de amor. Como a vida normalmente é irônica: Rodin era casado. Não sei até que ponto Rodin escolheu se envolver ou não – até porque não escolhemos por quem nos apaixonamos, no coração não existe uma tecla “stop” de sentimentos, pensamentos, blasé.

Camille logo teve que se decidir entre a carreira e o amor. Sua arte estava sendo considerada uma cópia das de Rodin, sendo assim, falsas. Deve ter sido mais fácil para ela decidir, quando Rodin a largou do jeito mais seco que alguém pode ser largado, em qualquer lata de lixo de uma rua abandonada sem saída. Trapo sujo de ilusão esse amor, ela pensou, é claro. Desiludida, por ter se entregado de corpo e alma ao único homem a quem amou, Camille enlouquece algum tempo depois, sendo internada por alucinações; morre louca de amor, coberta de talento, recheada de sonhos obsessivos.

Às margens do rio Sena, na rua Quai de Bourbon, encontrei uma placa fincada ao mármore do casarão onde ela viveu. Em letras desgastadas pelo tempo lia-se em francês: “Il y a toujours quelque chose d’absent qui me tourmente”; segundo Jonas, meu tradutor: Existe sempre uma coisa ausente que me atormenta, trecho de uma carta mandada por ela à Rodin, por volta do ano de 1886. Não precisei pensar muito para saber o que era, enfim, esse objeto direto não pronunciado, essa tal coisa que Camille não exemplificou. Para falar a verdade, acredito que essa “coisa ausente” mude, dependendo da etapa de nossas vidas. Algumas vezes temos muito “alguma coisa”, mas isso se desfalece em pó, aos ventos; perdemos o que quer que seja: o dinheiro, o amor, o sentimento, o momento, o trabalho; mas conquistamos outra coisa qualquer, outro alguém qualquer. Ou reconquistamos aquilo que já se foi. Como dizia meu pai: “Rafael, paciência. Não dá para se ter tudo ao mesmo tempo.” E é a mais pura verdade.
Mas enfim, eu sabia o que me era ausente, naquele meu momento presente.

Conforme fui caminhando pensativo, tanto Julinha quanto Camille me vieram à mente. As duas se misturaram em meus pensamentos. Sinceramente, não sei de que forma tudo foi absorvido por mim, só sei que me senti consolado. Deixei meu ar de mimado de lado, e ao longo do dia fui aceitando o que me corroia por dentro; aquele vazio, aquela falta, que a escultora me alertou. Primeiro passo para aprender a lidar com a distância.

Podem checar se quiser. A placa continua na Rua 19 da Quai de Bourbon, a mesma placa a qual Caio Fernando Abreu descreve. Quando for a Paris, procure por ela, não seja orgulhoso, permita-se ceder: todo mundo sente falta de algo. E se você é humano, com certeza não é exceção.

Caso não possa fazer a viagem, não tem problema, apenas guarde a frase com você. Aceite aquilo que te for ausente, aceite a dor embora doa, feito faca cravada no coração. Seja lá o que quer que seja, não conte a ninguém: guarde somente para você.

Um comentário:

  1. Tô com saudades de você, sério mesmo. E o trabalho tá ficando dobrado com todas essas recordações que você anda maquinando por aí, e eu por aqui.
    Esse texto me lembrou algumas coisas que eu esqueço de vez enquando... todos nós, essas mesmas ausências que você falou. Coisas importantes mesmo, coisas invisíveis aos olhos. As vezes a gente esquece, mas as mensagens ficam. E engraçado que, essas mensagens de ausência,... elas acabam completando a gente de uma forma tão esquisita. Porque quem diria que uma coisa que eu te disse antes, hoje, justamente hoje me faria falta. Eu precisava ouvir minhas palavas com outra voz. Obrigada.

    P.s.: Mas volta logo, viu?

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